Com a exposição REFUGIADOS DE XANGAI. MACAU (1937-1964), o Arquivo Histórico de Macau (AHM) pretende divulgar junto do público um importante espólio documental, imprescindível para conhecer e analisar um fenómeno social migratório que se insere no movimento mais amplo da diáspora macaense.

A exposição é apresentada em três secções que caracterizam: (1) apresentação sumária da história da diáspora macaense, em particular da comunidade dos “portugueses de Xangai”; (2) exibição da documentação relativa à chegada, acolhimento e destino dos migrantes que, abandonando Xangai, passaram pela cidade de Macau, na sequência da invasão japonesa da China, II Guerra Mundial e a Guerra Civil Chinesa, entre outros factores; (3) amostra de documentos e objectos pessoais de uma macaense – Clementina Fernandes – refugiada de Xangai, disponibilizados pela sua família.

A vasta documentação sobre os Refugiados de Xangai é, no seu conjunto, um importante legado que o AHM deixa às gerações mais jovens, de modo a que estas reconheçam que o seu futuro se constrói, reflectindo sobre o seu passado próximo e longínquo. A história dos Refugiados de Xangai é, também, a história de uma cidade solidária.
 

A DIÁSPORA MACAENSE

O primeiro período da diáspora macaense ocorreu entre meados do século XIX e meados do século XX. Sendo a cidade de Macau a principal origem dos emigrantes macaenses, as duas mais importantes cidades de destino foram Hong Kong e Xangai.

O movimento dos Refugiados de Xangai para Macau, a partir de 1949, representa o início de novos fluxos migratórios que levaram os emigrantes macaenses para os cinco continentes.
 

ITINERÁRIOS MIGRATÓRIOS DAS FAMÍLIAS MACAENSES DE XANGAI

 

São poucas as famílias macaenses que não tiveram filhos a emigrar para Xangai. No núcleo fundador desta comunidade macaense encontramos alguns dos nomes de famílias que se fixaram e permaneceram nesta cidade, como José Francisco Aquino, João Carlos Danenberg e Fernando Florêncio Carion. Cada um destes migrantes faz parte de uma família cujas origens remontam a Portugal, Holanda ou Filipinas. Outros nomes com outras origens podiam ser apresentados.

A COMUNIDADE DOS "PORTUGUESES DE XANGAI"

Entre 1880 e 1952, mais de 5000 cidadãos portugueses inscreveram-se no Consulado de Portugal em Xangai (Quadro da esquerda). O fim da comunidade macaense de Xangai está associado ao abandono desta cidade a partir do final da II Guerra Mundial, acelerando-se nos anos de 1949 e seguintes, regra geral com destino a Macau.

As principais actividades dos macaenses situavam-se nos sectores comerciais e financeiros (Quadro da direita).

A COMUNIDADE DOS "PORTUGUESES DE XANGAI": INTEGRAÇÃO NA MALHA URBANA

De acordo com as moradas indicadas pelos migrantes quando estes efectuavam o seu registo no Consulado de Portugal em Xangai, é possível identificar as ruas onde eles se fixaram, dispersando-se por toda a cidade (Fig. da esquerda).

Na fase inicial (1880-1895), a comunidade macaense estava presente em duas importantes ruas que nasciam na Bund: Nanquim Road e Pequim Road. Eram ruas com uma intensa actividade económica, atravessando o mais relevante bairro de negócios de Xangai (Fig. da direita).

A maioriados migrantesmacaenses de Xangai fixou-se numa área a nortedaribeira de Suzhou (Hongkou) , com particular destaque para North Szechuen Road, Quinsan Road e ChapooRoad ( Fig. da esquerda).

Uma característica da sociedade de Xangai era o associativismo. A comunidade macaense criouas suas associações de modo a manter viva a sua identidade e a reforçar os laços dentro da comunidade, preser vando as eferências culturais do seu território de origem, Macau (Fig. da direita).

O REGRESSO ÁS MIGRAÇÕES - A DIÁSPORA MACAENSE NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX


 

A emigração dos refugiados de Xangai deu um importante contributo para a dispersão dos macaenses pelo mundo ao longo da segunda metade do século XX: a Ásia reúne apenas 4,2% dos migrantes macaenses, seguida de África, com apenas 0,4%. Os países que concentram o maior número de migrantes macaenses localizam-se, no continente americano (58,6%); seguem-se a grande distância a Europa (22,4%) e, depois, a Oceânia (14,4%).

PRIMEIROS REGISTOS DOS REFUGIADOS DE XANGAI


 

Em Maio de 1949, iniciou-se o movimento migratório dos Refugiados de Xangai que se prolongou pelos meses e anos que se seguiram. Entre Maio e Outubro de 1949, registaram-se 121 macaenses. Em Maio de 1950 recomeçaram as inscrições com mais 85 registos. Em 1951, o número de inscritos ascendeu a 180, representando 46,6% do total de registos nestes três anos.


 

A maior parte dos refugiados eram emigrantes de segunda geração, naturais de Xangai e de Hong Kong, muitos dos quais, provavelmente, nunca tinham visitado o Território. Os naturais de Macau representavam pouco mais de 10%.

OS CENTROS DE ACOLHIMENTO


 

Entre 1949 e 1951, mais de 94% dos refugiados são alojados em três locais: o Centro de Refugiados, albergando homens e mulheres; o Centro da Avenida Almirante Lacerda, quase exclusivamente para mulheres; e a Casa dos Pobres onde só se instalaram refugiados do sexo masculino.

Posteriormente, a maioria dos refugiados, a quem foram oferecidas as condições básicas para a sua sobrevivência no Território – habitação, alimentação, higiene e serviços de saúde – foi instalada em três centros de acolhimento:

  • Centro Nº 1 – Casa dos Pobres (Canídromo).
  • Centro Nº 2 – Luso-Chinês (Calçada do Gamboa).

MARIA TERESA VÉSTIA: O TESTEMUNHO


 

Maria Teresa Véstia, filha de Clementina Maria Assunta Fernandes, guardou algumas memórias de sua mãe: um pequeno número de documentos (passaportes, cartas, fotografias, certidões…) preservados com afectos e lembranças de uma vida dividida entre Xangai, Macau, Moçambique e a Metrópole.
 

CLEMENTINA FERNANDES: AS ORIGENS

Clementina Maria Assunta Fernandes nasceu, em Xangai, na rua Baikal, no ano de 1929. As origens da sua família macaense remontam aos finais do século XVIII, quando o seu avô João Gregório Carion trocou a sua terra natal, Manila, pela cidade de Macau, onde faleceu em 1839.

Clementino Fernandes, pai de Clementina Fernandes, emigrou para Xangai para trabalhar no sector comercial. Registou-se no Consulado de Portugal em 1918. Casou duas vezes: em 1920, com Francisca Sales Carion, a mãe de Clementina Fernandes; e, em 1940, com Elvira Maria Catarina Carion.

CLEMENTINA FERNANDES:EM XANGAI 1929-1949

CLEMENTINA FERNANDES:DE XANGAI A MACAU 1950

 

Os primeiros vinte anos da vida de Clementina Fernandes são passados em Xangai. Clementina foi educada entre a preservação da sua identidade macaense e a necessidade de se adaptar à sociedade plurinacional das concessões estrangeiras. Uma educação onde eram bem vincados os valores da tolerância e do respeito pelos princípios que devem orientar o carácter de cada um.

Clementina reuniu ao longo da sua vida muitas amizades, coleccionadas desde a sua mais tenra juventude e testemunhadas em pequenos livros de autógrafos que nos deixou, em que se registam as assinaturas de jovens russas, americanas e chinesas.

 

A jovem Clementina Fernandes, de baixa estatura, pouco ultrapassando o metro e meio, de pele “trigueira”, olhos castanhos e cabelo preto, tal como é descrita no passaporte, começou a preparar a sua saída de Xangai em Maio de 1949

A viagem a Macau e, alguns anos depois, a Portugal representam uma dupla migração no espaço e no tempo: uma deslocação para outros territórios em busca de “refúgio” e uma viagem aos territórios da origem histórico-cultural da comunidade macaense.

CLEMENTINA FERNANDES:EM MACAU 1950 - 1956

Clementina comprou um livro de autógrafos, que a acompanhou nos seis anos que permaneceu em Macau. Da primeira página deste livro fica-nos a informação da sua primeira residência em Macau – Calçada da Barra, 18 – mas também há o testemunho que terá permanecido algum tempo num dos centros dos refugiados de Xangai.

Pouco se sabe da vida de Clementina Fernandes em Macau. Segundo testemunha a sua filha Teresa, Clementina permaneceu cerca de um mês num dos centros de refugiados onde terá partilhado, com outros compatriotas, as mesmas tristezas e alegrias, infortúnios e solidariedades, durante aqueles longos dias difíceis.

Estes foram os tempos de transição de uma juventude em que foi possível criar amizades e conviver nos espaços disponíveis em Macau: uma cidade que se mantinha aberta ao mundo, não obstante todas as dificuldades que se viviam, naqueles anos de guerra e de refugiados.

Em 1956, Clementina Fernandes casou com José António Pereira, militar, português natural de Vila Pouca de Aguiar, onde nasceu no dia 8 de Novembro de 1928. Os seus dois primeiros filhos – Guilhermina e José António – nasceram em Macau.

MACAU, LISBOA, VILA CABRAL, NAMPULA, SINTRA 1956 - 1996

Entre Maio e Junho de 1956, Clementina embarcou no navio «Índia» com destino a Lisboa. Passou por Hong Kong, Singapura… chegou a Lisboa-Alcântara em 20 de Junho de 1956.

MACAU, LISBOA, VILA CABRAL, NAMPULA, SINTRA 1956 - 1996

 

 

 

Foi curto o período que passou em Lisboa, conhecendo-se apenas uma morada: Rua General Lemos, 25. Mas foi o tempo suficiente para o nascimento do seu filho Henrique António, em 25 de Agosto de 1957.

Em Outubro, com os filhos Guilhermina e Henrique, Clementina Fernandes embarcou para Moçambique no navio «Império», a fim de acompanhar o seu marido em mais uma Comissão de Serviço.

 

MACAU, LISBOA, VILA CABRAL, NAMPULA, SINTRA 1956 - 1996

Em 1971, Clementina, o seu marido e os seus três filhos regressaram definitivamente a Lisboa, terminando um longo itinerário migratório familiar que teve dois territórios de origem: Xangai, na China; Vila Pouca de Aguiar, em Portugal.

Dois anos depois de seu marido ter falecido em 1994, Clementina Fernandes morreu no dia 18 de Outubro, vítima de um atropelamento em Sintra, Portugal.